Esse artigo quase não sai… passei o dia pensando nele, mas a síndrome da impostora ficava repetindo: “você tem que pesquisar mais! Já não está tarde pra escrever?”. Mas decidi não dar ouvido à minha maior algoz – eu mesma [será?]
Vamos falar sobre o tal fenômeno da impostora e sua relação com a autossabotagem. Será que é apenas por medo de não sermos tão perfeitas quanto pensamos que esperam de nós? Ou porque somos tão desencorajadas a sermos protagonistas e capazes, que acreditamos que realmente não valemos tanto?
Síndrome é individual, barreiras que nossa mente cria pra gente. Fenômeno fala do coletivo, dos vieses inconscientes que nos moldam e influenciam. Vamos pensar juntas pra achar essa resposta 💛
O que é a síndrome da impostora
Sabe quando você faz um negócio super legal, mas fica procurando defeito? Ou então, quando sente que não merece um elogio ou incentivo, já que nem fez tanto assim? Pois é, esses são sinais da síndrome da impostora.
Na sua dissertação de mestrado, Vanessa Souza trouxe alguns outros exemplos:
- Medo e evitação de avaliações.
- Pensa que dá a impressão de ser mais competente do que realmente é.
- Seu sucesso aconteceu por erro ou por estar no lugar certo, com as pessoas certas e não por mérito.
- Lembro mais e com maior intensidade das vezes que fracassei do que quando tive sucesso.
- Dificuldade em receber elogios, principalmente sobre minha inteligência ou feitos.
- As conquistas são um tanto decepcionantes, pois fica a sensação de que poderia ter sido melhor.
- Tenho medo de que descubram quanto conhecimento me falta.
E a lista segue, dolorosamente. Isso de que a gente sempre acha que não está preparada é comprovado em dados. Segundo o IBGE, mulheres trabalham cerca de 3h a mais que os homens e têm maior escolaridade [claro que ganhando menos]. Como não nos sentimos prontas/capazes?
Além disso, como coletivo, só aplicamos pra vagas quando cobrimos 100% dos requisitos, enquanto homens já se candidatam tendo apenas 60%. Interessante, não é? Rachel Maia fala sobre isso com o olhar no individual, na preparação das mulheres pra que possam brigar por oportunidades e na responsabilidade a mais que carregamos, de acreditar que somos capazes.
A síndrome da impostora pode ser definida como a dificuldade ou até mesmo falta de capacidade de reconhecer suas próprias conquistas e qualidades.
Pode acontecer no trabalho ou na vida acadêmica, com uma exigência cada vez maior para se ver como vitoriosa ou capaz, causando sofrimento psíquico.

O fenômeno da impostora, além de trazer uma perspectiva distorcida da própria capacidade, também faz com que a pessoa acabe desistindo de alguns desafios importantes. Isso tudo porque fica aquela sensação, aquela voz interna, de que ainda falta alguma coisa.
De onde vem essa voz?
A “liberdade” que temos hoje é uma conquista recente. Crescemos em meio a regras histórico-culturais que, mesmo questionadas, ainda pesam no nosso dia-a-dia. Seja na hora de conseguir um emprego, na decisão de ter ou não filhos e até se deve mesmo investir em si.
Afinal, no fundo, no fundo, a sociedade espera de nós papéis bem estruturados, da cuidadora, pacificadora, boazinha, obediente. E como essa figura pode ousar ter ambição, sonhar? Ou pior, lutar pelo que quer construir?
Junte isso a outros fatores castradores da sociedade e caímos no crivo da grande julgadora interna… aquela voz, o aperto no peito, que te pede cautela, humildade, delicadeza, obediência.
Essa voz tão familiar é nosso conjunto de crenças – de todas nós, que nos foi ensinado em casa, na escola, no trabalho… em todos os pontos de contato com outras pessoas. Afinal, esse é um sistema tão inerente à nossa sociedade, que nem nos damos conta dele.
Tem um documento riquíssimo da ONU Mulher que explica a questão dos vieses inconscientes e sua relação com gênero. Fala desde o funcionamento biológico do cérebro até exemplo de vieses do dia-a-dia. Vale a leitura!
Partindo dessa ótica, dá pra entender que o fenômeno da impostora não é uma experiência individual e sim uma construção coletiva, a qual todas estamos expostas. Adicione aí camadas de classe, cor, afetos/outras e teremos um papo complexo e necessário.
O que isso tem a ver com autossabotagem
E é nesse sentir que falta algo, que ainda não está pronta, que o projeto não foi finalizado para ser colocado em prática, que a mulher desiste – sem nem ter começado. É aí que ela não aplica para uma nova vaga, não tenta novos desafios, se permite estar em situações de abuso, adia aquele curso e por aí vai.
Fica parecendo que há um inimigo interno, que não quer seu crescimento, sua felicidade, sabotando cada passo no caminho. Na realidade, isso é um processo de falsa proteção, onde – para não errar – a mulher desiste de fazer qualquer movimento importante, se perdendo em meio às demandas dos outros e da vida.
Você tem se permitido ousar? Qual foi a última vez que sonhou com algo grande, que não fosse para os outros e sim só pra você? Te incomodou essa ideia? Bora continuar o papo então.
A perfeição e a expectativa alheia
Nós somos criadas para sermos ótimas alunas, mães, irmãs, filhas. Nada de risco, vai sujar o vestido e bagunçar os cabelos… risco, aventura, são coisas de menino. E assim crescemos, limitadas, ponderando mais do que o normal e na busca incessante pela perfeição.
Esse medo de errar está relacionado à necessidade de fazer tudo perfeitamente.
Não podemos decepcionar nossa mãe, pai, familiares, professores, chefes, colegas… não podemos deixar de atender ou de ser suficientes. Damos conta de jornadas triplas e somos as super mulheres!
Guerreiras e delicadas… que dão conta de tudo e um pouco mais. As que mesmo doentes ou com dor, continuam cuidando e trabalhando e não se permitem parar e serem cuidadas.
Só que não… essa expectativa de que temos que dar conta de tudo, com perfeição e cada passo calculado, traz consequências nefastas, entre elas, a síndrome da impostora.
Desde se permitir continuar em amizades e relações abusivas, até perder uma oportunidade de crescimento, tudo pode ser alvo da síndrome da impostora. Ela independe de gênero, mas é muito marcante em pessoas femininas, dada a forma de criação e/ou pressões impostas pela sociedade.
Mudando essa perspectiva
Não é um trabalho simples, pois para nossa geração e as que vieram antes de nós, é um trabalho de desconstrução, uma jornada disruptiva. Precisamos conversar sobre isso, estudar e principalmente, de ajuda terapêutica.
Mas nossas meninas podem ter um destino mais tranquilo, se mudarmos – não apenas a nossa realidade, mas também a forma como as criamos.

É preciso sair da zona de conforto, pisar na terra úmida, despir-se de tudo o que não agrega, para poder sentir o aroma das flores.
Não é fácil ou rápido. Não há receita pronta ou estradas largas a seguir. Mas a visão da nova realidade e do quanto vai poder alcançar, valerão cada passo e cada escolha.
Ao invés de exigir perfeição, boa postura, comportamento de ‘mocinha’, precisamos ensinar a correr riscos calculados, a ter presença, se aventurar em novos desafios e a ter liberdade de fala e pensamento.
Assim, conseguimos reduzir o peso da síndrome da impostora, levando uma vida melhor para nossas meninas, que vão estruturar um novo conceito do feminino e seu papel na sociedade.
Rachel Maia, primeira mulher negra CEO no Brasil, traz um conselho de ouro:
Vai lá e se candidata. Se capacite, inscreva-se em um curso, ouse um pouco mais. Precisamos ousar mais.
Vamos juntas? Sonhe, ouse, se permita errar e ser iniciante novamente.
Dá uma olhada nessa palestra no Ted, que fala sobre a questão da síndrome da impostora, riscos, coragem e a forma como somos criadas.
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